Batendo Boca com o 5Bocas

domingo, junho 27, 2004

Da tumba do 5Bocas III

A TRAGÉDIA DE SARRIÁ
O raio X de uma derrota que não merecíamos por tudo que jogamos, e que tanto nos custou.

PRELÚDIO
Segunda-feira, 5 de julho de 1982. O Brasil entra em campo como franco favorito contra a irregular Itália. Sob o comando de Telê Santana, não perdíamos desde janeiro de 1981, ainda pela final do mundialito no Uruguai. Quando os anfitriões nos venceram na final por 2x1 (sem Zico, Falcão e Leandro). Na copa já havíamos jogado 4 partidas sem nem ao menos empatar, derrotando sovéticos, escoceses, a fraca Nova Zelândia e os campeões mundiais de 1978, os Argentinos, por sonoros 3x1, com Maradona e tudo.

Já os italianos estavam brigados com a imprensa de seu País, devido as suspeitas de homossexualismo na delegação por parte dos jornalistas. Paolo Rossi, o centroavante, vinha sem ritmo de jogo, pois ficara sem jogar profissionalmente por quase dois anos, cumprindo punição por envolvimento com a máfia da loteria italiana (a totonero), e sofreram para se classificar na primeira fase, com 3 empates diante de Perú, Camarões e Polônia, classificando-se pelo saldo de gols, e depois venceram os Argentinos por 2x1 sem problemas, demonstrando recuperação na segunda fase. Pronto ! Um prato fácil de degustar, em quem você apostaria ?

O QUE JÁ SABÍAMOS E NÃO PRESTAMOS ATENÇÃO
A Itália nos venceu por 3x2 , uma grande injustiça para todos os amantes do futebol arte, porém, por trás desta derrota haviam outros detalhes. Antes do jogo, Zézé moreira, nosso observador, já havia informado Telê sobre os perigos que os italianos representavam, seus progressos e seus pontos fortes. Talvez não tenhamos levado tão a sério essas informações, afinal, o que seria tão perigoso para nossos gênios da bola ? Paolo Rossi sem marcação especial, ia aproveitando os poucos espaços que obteve, e marcou 3 gols em nossa defesa. Pra quem não sabe, Rossi não era nenhum perna-de-pau, pois o garoto de ouro italiano, na copa anterior havia marcado 3 gols, e recebido o prêmio de segundo melhor jogador daquela copa (o primeiro foi Kempes e o terceiro Dirceu), onde inclusive tinham vencido os Argentinos na primeira fase por 1x0.

O ESQUEMA DE CADA UM
O Brasil jogou como sempre havia jogado naquela copa, ou seja, jogando e deixando jogar, e é claro, priorizando a posse da bola, já a Itália fez o de sempre, recuada e nos atraindo para seu campo, onde exercia forte marcação individual em alguns jogadores chaves do nosso time, e preparando um contra ataque mortal com Graziani, Conti e Rossi, além das subidas de Cabrini e Antognoni, seu melhor jogador. Colovati, Scirea e Oriali exerciam dura marcação homem-a-homem em Sócrates, Serginho e Edér, e Gentile grudou implacávelmente em Zico, numa das mais sufocantes marcações já vistas em uma partida de futebol.

O Brasil sabia de sua superioridade e cuidou de exercer seu maior trunfo que era manter a posse de bola, e mesmo quando estavámos em desvantagem no marcador, mantinhamos a calma e um aparente controle da situação. A Itália, por mais díficil que pudesse parecer a missão, vinha obtendo êxito em seu propósito, e cada vez que o Brasil conseguia empatar o marcador, eles faziam um novo gol, e voltavam a frente no placar, e com isto acontecendo amíude, eles foram ganhando confiança e sentindo que poderiam vencer-nos.

RETRATO DA PARTIDA
Na maior parte do tempo estivemos em desvantagem no placar, assim éramos obrigado a sair pro jogo e apesar de criarmos uma grande quantidade de situações de perigo real, ficavamos expostos constantemente aos rápidos contra ataques italianos. Mostramos nossa classe e toque de bola durante toda a partida, até nos últimos minutos quando Zoff defendeu uma cabeçada de Oscar e um córner olímpico de Edér, pena que não foi suficiente para vencê-los. Possuíamos uma equipe fantástica, mas os italianos tiveram o mérito de não se intimidar e jogar acreditando que a vitória era possível, apesar de tudo.

Tinhamos a sensação de que a partida poderia ser decidida quando quiséssemos, mas naquele dia se fizéssemos o terceiro gol de empate, acho que eles fariam o quarto. Além de termos enfrentado uma seleção briosa e disposta a tudo para vencer, o árbitro israelense Abraham Klein deu uma mãozinha para os italianos, quando não marcou um penalti claro de Gentile em Zico, no final do primeiro tempo, que talvez tivesse mudado a história do jogo.
A Itália como esteve na frente do marcador quase o tempo todo, catimbava a partida fazendo o tempo passar, se adiantando nas faltas com barreira contra a sua meta, atrasando bolas para seu goleiro constantemente, quando eram apertados na saída de bola (na época o goleiro podia pegar com a mão bola atrasada), e parando as jogadas com faltas duríssimas, sob o olhar complacente do árbitro. Assim o jogo se arrastou até o fim, preparando os italianos para o título, já que depois de vencer-nos, ninguém mais poderia ganha-los.


CONCLUSÕES
Paulo Isidoro entrou no segundo tempo no lugar de Serginho, e como nas outras vezes na copa, foi bem superior ao centroavante. Isidoro deveria ser titular desde a partida inaugural contra os soviéticos, mas a teimosia de Telê era um grande obstáculo, e como o Brasil vinha vencendo ninguém ousava contestar a escalação ou opinar. Serginho atrapalhou o time diversas vezes, pois não conseguia nem mesmo "matar" uma bola, e Isidoro além de possuir mais técnica, ajudava a marcação no meio e na ponta direita.
Luisinho esteve irreconhecível e Edér que começou bem, após alguns elogios caiu de produção vertiginosamente, não conseguindo acompanhar o mesmo nível dos companheiros da equipe.

Ao término do jogo, apesar da injustiça e da grande tristeza, ficou em nós brasileiros, um bonito sentimento. Italianos corriam feito loucos pelo campo, se abraçando ainda sem acreditar no que tinham acabado de realizar, e brasileiros, atônitos, sem rumo, não conseguiam achar a saída do campo, talvez pensando que ainda haveria um terceiro tempo, e ai ganharíamos.
A equipe do Brasil recebeu todas as homenagens possíveis por parte da imprensa, de torcedores brasileiros e espanhóis, de ex-craques como Di stefano, Cruyff, Krol entre outros, mas nenhuma destas manifestações conseguiram estancar a dor que sentíamos. Até mesmo após o jogo, na sala de imprensa, o técnico italiano Bearzort havia sido bem recebido, porém, quando Telê entrou na sala, foi um verdadeiro clamor, todos se levantaram e aplaudiram o técnico brasileiro, como se ele tivesse vencido a partida. A copa, a partir daquele momento já tinha um campeão. Os italianos ficaram fortes e confiantes após baterem os brasileiros, ai foi só ganhar dos fracos polonenses - desfalcados de Boniek - e dos pragmáticos alemães na final.
Depois de vencer os brasileiros, foi mais do que justo a copa ficar com os italianos.

LIÇÃO APRENDIDA
Impossível esquecer aquela tarde por tudo que aconteceu. Chorei convulsivamente, levei 5 pontos no queixo e vi meus heróis derrotados como simples mortais. Contudo, aprendi que devemos saber perder, desde que com luta. A vitória é o objetivo a atingir, mas perder faz parte do jogo, e não é vergonha, se houver entrega, e isso eles fizeram até o último minuto.

Queria que Nelson Rodrigues estivesse vivo para retratar como só ele podia, aquela tragédia grega. Talvez conseguisse confortar-nos, quem sabe a explicação viesse com o sobrenatural de almeida, pois só ele explicaria o inexplicável.
A resposta para este infeliz HIATO que os deuses do futebol nos impôs dutante alguns anos, algumas copas e toda uma geração, pois logo depois retomamos o rumo das vitórias, um pouco sem brilho, mas vitórias, de gente de talento, mas bem inferior....

CURIOSIDADES
Pedra sobre pedra
No local onde ficava o estádio de Sarriá, foi construído um shopping center, assim, hoje não existe mais nem poeira de onde jogamos a épica partida.

Belos gols
Para se ter uma idéia da qualidade do futebol da seleção de 1982, e da plástica de suas jogadas e gols, na eleição da FIFA para o gol do século de todas as copas do mundo, estivemos presentes com vários gols de várias de nossas seleções entre os 50 melhores, sendo que a seleção de 1982, carimbou mais de 10% deles. Para se ter uma pequena noção do material, ai vai: Os dois gols contra a União Soviética e os dois contra a Itália, o de Junior contra a Argentina e de Edér contra a Escócia, isso sem falar de todos os outros gols(vide o do galinho contra a Nova Zelândia), que poderiam constar em qualquer relação dos mais belos, pois todos sem exceção foram de extremo bom gosto.

Perfil I

O BELO VÔO DO FALCÃO

Inauguro o espaço PERFIL com um dos meus maiores ídolos no futebol.

Paulo Roberto Falcão nasceu em outubro de 1953, e fez história em Porto Alegre, no Brasil e depois na Itália. Muito novo comandou o grande inter dos anos 70, recebendo o bastão de Elias Figueroa, e sagrando-se tri-campeão brasileiro, sendo que no último , em 79, foi de forma invicta, fato único até hoje.

Em campo um líder nato, que exibia um comando invísivel para a torcida(sem gestos largos), uma eminência parda. Contudo, Falcão ditava o ritmo e "facilitava" o jogo de todo o time, aparecendo em todas as partes do campo, saindo da defesa, articulando no meio as jogadas de ataque, fazendo belas tabelas e lindos gols. Suas características incluiam um grande senso de colocação, categoria acima da média, economia nos dribles (sempre na hora certa), chutes e passes precisos.

Falcão jogou pouco na seleção brasileira, e logo no início da carreira foi surpreendido por Claudio Coutinho, que preteriu-o levando Chicão para a copa do mundo de 1978, na Argentina. Na copa de 1986, no México, esteve presente, mas sem reunir boas condições físicas, se limitou a poucos minutos de jogo. Assim, seu show ficou reservado para 1982 na Espanha, quando ele entrou para a história ao liderar uma equipe de astros, que contava ainda com Zico, Sócrates, Cerezo, Junior e cia.
Nesta copa atuou nas cinco partidas do Brasil e marcou 3 gols, apresentando um futebol tão refinado que foi agraciado com o prêmio de segundo melhor da copa (bola de prata), mesmo tendo sido elimindao ainda nas quartas-de-final. Acredito que o jogo contra a Argentina (3x1), foi sua maior atuação pela seleção, mesmo tendo jogado uma barbaridade tanbém contra a Itália. Só que no jogo contra os hermanos, ele quase nos brinda com o que seria um dos mais belos gols de todas as copas, quando fez uma tabela com Sócrates no alto, e sem deixar a bola cair emendou de primeira e de perna esquerda no travessão de Fillol, uma pintura.

Falcão foi rei de roma, comandando a equipe da Roma nas conquistas da copa itália e do campeonato italiano, "gastou" tanto a bola por lá que até hoje é reverenciado por aquelas bandas. Deixou em nossa memória belas jogadas e belos gols como o do emocionante empate contra a Itália na copa de 1982, ou o de raça e talento contra o Palmeiras na semifinal do brasileiro de 1979, ou o da espetacular tabelinha de cabeça com escurinho , marcando já nos minutos finais da final do brasileiro de 1975 contra o Cruzeiro.

Hoje é comentarista da Rede Globo, e continua a exibir toda a sua visão de jogo acima do normal, sua educação, simplicidade e inteligência nos comentários, além de muita paciência para aguentar o Galvão Bueno.

Em minha opnião, Falcão foi um dos 3 jogadores mais completos do mundo, que tive o prazer de ver em ação. Dominava os quatro fundamentos importantíssimos do futebol, que são: marcação, passe, drible e chute.
Acho díficil ver alguém repetir o que o anjo louro fazia em campo, pois diziam na época que ele deveria jogar de terno e gravata, tamanha era sua elegância e o tratamento que dispensava a amiga, a bola.