Da tumba do 5Bocas III
O raio X de uma derrota que não merecíamos por tudo que jogamos, e que tanto nos custou.
PRELÚDIO
Segunda-feira, 5 de julho de 1982. O Brasil entra em campo como franco favorito contra a irregular Itália. Sob o comando de Telê Santana, não perdíamos desde janeiro de 1981, ainda pela final do mundialito no Uruguai. Quando os anfitriões nos venceram na final por 2x1 (sem Zico, Falcão e Leandro). Na copa já havíamos jogado 4 partidas sem nem ao menos empatar, derrotando sovéticos, escoceses, a fraca Nova Zelândia e os campeões mundiais de 1978, os Argentinos, por sonoros 3x1, com Maradona e tudo.
Já os italianos estavam brigados com a imprensa de seu País, devido as suspeitas de homossexualismo na delegação por parte dos jornalistas. Paolo Rossi, o centroavante, vinha sem ritmo de jogo, pois ficara sem jogar profissionalmente por quase dois anos, cumprindo punição por envolvimento com a máfia da loteria italiana (a totonero), e sofreram para se classificar na primeira fase, com 3 empates diante de Perú, Camarões e Polônia, classificando-se pelo saldo de gols, e depois venceram os Argentinos por 2x1 sem problemas, demonstrando recuperação na segunda fase. Pronto ! Um prato fácil de degustar, em quem você apostaria ?
O QUE JÁ SABÍAMOS E NÃO PRESTAMOS ATENÇÃO
A Itália nos venceu por 3x2 , uma grande injustiça para todos os amantes do futebol arte, porém, por trás desta derrota haviam outros detalhes. Antes do jogo, Zézé moreira, nosso observador, já havia informado Telê sobre os perigos que os italianos representavam, seus progressos e seus pontos fortes. Talvez não tenhamos levado tão a sério essas informações, afinal, o que seria tão perigoso para nossos gênios da bola ? Paolo Rossi sem marcação especial, ia aproveitando os poucos espaços que obteve, e marcou 3 gols em nossa defesa. Pra quem não sabe, Rossi não era nenhum perna-de-pau, pois o garoto de ouro italiano, na copa anterior havia marcado 3 gols, e recebido o prêmio de segundo melhor jogador daquela copa (o primeiro foi Kempes e o terceiro Dirceu), onde inclusive tinham vencido os Argentinos na primeira fase por 1x0.
O ESQUEMA DE CADA UM
O Brasil jogou como sempre havia jogado naquela copa, ou seja, jogando e deixando jogar, e é claro, priorizando a posse da bola, já a Itália fez o de sempre, recuada e nos atraindo para seu campo, onde exercia forte marcação individual em alguns jogadores chaves do nosso time, e preparando um contra ataque mortal com Graziani, Conti e Rossi, além das subidas de Cabrini e Antognoni, seu melhor jogador. Colovati, Scirea e Oriali exerciam dura marcação homem-a-homem em Sócrates, Serginho e Edér, e Gentile grudou implacávelmente em Zico, numa das mais sufocantes marcações já vistas em uma partida de futebol.
O Brasil sabia de sua superioridade e cuidou de exercer seu maior trunfo que era manter a posse de bola, e mesmo quando estavámos em desvantagem no marcador, mantinhamos a calma e um aparente controle da situação. A Itália, por mais díficil que pudesse parecer a missão, vinha obtendo êxito em seu propósito, e cada vez que o Brasil conseguia empatar o marcador, eles faziam um novo gol, e voltavam a frente no placar, e com isto acontecendo amíude, eles foram ganhando confiança e sentindo que poderiam vencer-nos.
RETRATO DA PARTIDA
Na maior parte do tempo estivemos em desvantagem no placar, assim éramos obrigado a sair pro jogo e apesar de criarmos uma grande quantidade de situações de perigo real, ficavamos expostos constantemente aos rápidos contra ataques italianos. Mostramos nossa classe e toque de bola durante toda a partida, até nos últimos minutos quando Zoff defendeu uma cabeçada de Oscar e um córner olímpico de Edér, pena que não foi suficiente para vencê-los. Possuíamos uma equipe fantástica, mas os italianos tiveram o mérito de não se intimidar e jogar acreditando que a vitória era possível, apesar de tudo.
Tinhamos a sensação de que a partida poderia ser decidida quando quiséssemos, mas naquele dia se fizéssemos o terceiro gol de empate, acho que eles fariam o quarto. Além de termos enfrentado uma seleção briosa e disposta a tudo para vencer, o árbitro israelense Abraham Klein deu uma mãozinha para os italianos, quando não marcou um penalti claro de Gentile em Zico, no final do primeiro tempo, que talvez tivesse mudado a história do jogo.
CONCLUSÕES
Paulo Isidoro entrou no segundo tempo no lugar de Serginho, e como nas outras vezes na copa, foi bem superior ao centroavante. Isidoro deveria ser titular desde a partida inaugural contra os soviéticos, mas a teimosia de Telê era um grande obstáculo, e como o Brasil vinha vencendo ninguém ousava contestar a escalação ou opinar. Serginho atrapalhou o time diversas vezes, pois não conseguia nem mesmo "matar" uma bola, e Isidoro além de possuir mais técnica, ajudava a marcação no meio e na ponta direita.
Ao término do jogo, apesar da injustiça e da grande tristeza, ficou em nós brasileiros, um bonito sentimento. Italianos corriam feito loucos pelo campo, se abraçando ainda sem acreditar no que tinham acabado de realizar, e brasileiros, atônitos, sem rumo, não conseguiam achar a saída do campo, talvez pensando que ainda haveria um terceiro tempo, e ai ganharíamos.
Depois de vencer os brasileiros, foi mais do que justo a copa ficar com os italianos.
LIÇÃO APRENDIDA
Impossível esquecer aquela tarde por tudo que aconteceu. Chorei convulsivamente, levei 5 pontos no queixo e vi meus heróis derrotados como simples mortais. Contudo, aprendi que devemos saber perder, desde que com luta. A vitória é o objetivo a atingir, mas perder faz parte do jogo, e não é vergonha, se houver entrega, e isso eles fizeram até o último minuto.
Queria que Nelson Rodrigues estivesse vivo para retratar como só ele podia, aquela tragédia grega. Talvez conseguisse confortar-nos, quem sabe a explicação viesse com o sobrenatural de almeida, pois só ele explicaria o inexplicável.
CURIOSIDADES
Pedra sobre pedra
No local onde ficava o estádio de Sarriá, foi construído um shopping center, assim, hoje não existe mais nem poeira de onde jogamos a épica partida.
Belos gols
Para se ter uma idéia da qualidade do futebol da seleção de 1982, e da plástica de suas jogadas e gols, na eleição da FIFA para o gol do século de todas as copas do mundo, estivemos presentes com vários gols de várias de nossas seleções entre os 50 melhores, sendo que a seleção de 1982, carimbou mais de 10% deles. Para se ter uma pequena noção do material, ai vai: Os dois gols contra a União Soviética e os dois contra a Itália, o de Junior contra a Argentina e de Edér contra a Escócia, isso sem falar de todos os outros gols(vide o do galinho contra a Nova Zelândia), que poderiam constar em qualquer relação dos mais belos, pois todos sem exceção foram de extremo bom gosto.